Umbanda não é um show!

Quando eu digo que a Umbanda é uma religião abarcadora de consciências, significa que suas portas estão constantemente abertas para todos.
A Umbanda não é discriminatória e no movimento umbandista sempre existe um terreiro em que nossas almas se harmonizam, adequado ao nosso nível de consciência e preparado para desenvolver o nosso reencontro com o Sagrado.
É verdade, que no primeiro momento, muitos procuram a Umbanda para tentar sanar os seus males, sejam eles de origem material, física e objetiva (saúde, dinheiro, emprego, amor, causas as mais diversas etc.), sejam as espirituais e subjetivas (mediunidade, saúde, distúrbios psíquicos e psicológicos, demandas etc.).
Para isso, em dias de reuniões nos terreiros, a maior parte do tempo é dedicado aos trabalhos mediúnicos. Os médiuns incorporam as entidades espirituais e essas realizam o atendimento ao público presente. Esse atendimento visa também a prática da caridade do ouvir, do deixar falar e desabafar, da palavra e do ombro amigo, da mão estendida, do conselho e da orientação proporcionada pelos caboclos, pretos-velhos, crianças, exús entre outros.
Nas reuniões o material vai ao encontro ou serve de instrumento ao espiritual, o visível se conecta ao invisível, objetivo e subjetivo se completam e encarnados e desencarnados se comunicam. As palavras-chaves servir, conexão, completude e comunicação conseguem cumprir os seus significado nas reuniões em um terreiro, se existirem a contra-partida dos trabalhos espirituais. E trabalhos espirituais em 99,9% dos terreiros do movimento umbandista acontecem com médiuns incorporados e entidades atendendo alguém.
A gira mediúnica é o auge ou o clímax de uma reunião umbandista que é dividida em três momentos básicos a saber: abertura, momento que se evocam as forças e entidades espirituais e se invocam as bençãos, proteções, pedidos e auxílios; a gira mediúnica, instante em que os médiuns incorporam as entidades espirituais para atendimento ao público; encerramento, ou seja, o término da reunião, em que se agradece a assistência das forças e entidades espirituais.
Os ritos e liturgias utilizadas nas reuniões do movimento umbandista, variam de terreiro para terreiro, assim, como também, pode se diferenciar a decisão de como se processa a gira mediúnica, que tipos de entidades se fará presente e como deverá se proceder o atendimento ao público. Isso acontece, por que os terreiros são células religiosas que se adequam a coletividade que os rodeia, oferecendo dentro de um determinado padrão mínimo, os ritos, as liturgias, as manifestações espirituais que mais afinizem com os adeptos e o público que frequenta determinada casa.
Abarcar consciências é isso, atender as necessidades espirituais essenciais do indivíduo, mesmo que este processo se inicie por resolver suas necessidades materiais básicas, permitindo um equilíbrio mínimo da sua existência. Proporciona-se assim, condições estáveis a alma para realizar vôos evolutivos mais altos e abrir sua consciência a entendimentos mais profundos e finalmente se religar a Deus.
Através do que já discorremos, podemos chegar a conclusão que o atendimento ao público é o objetivo primordial de todas as reuniões de um terreiro. As pessoas que se encaminham a uma casa espiritual umbandista, possuem expectativas, estão ansiosas para encontrar a solução de seus problemas, desejam sair dali pelo menos reconfortadas, com esperança etc. O público, portanto, deve ter um tratamento especial por parte dos dirigentes, dos organizadores e do corpo mediúnico da casa.
Tudo deve ser voltado para se fornecer um bom atendimento ao público presente. Devem ser bem recebidos, encaminhados a um local apropriado para assistirem a reunião, informados de como se processará o andamento da mesma, como deve ser o seu comportamento durante os trabalhos, em qual momento e como devem se dirigir aos médiuns incorporados, se houver necessidade de se retirar antes da gira terminar como fazê-lo, devem também ser indicados a eles os banheiros, aonde beber água etc. É de bom tom, que o dirigente em algum instante na abertura, faça uma pequena e rápida preleção (palestra) trazendo para o público, informações, avisos, ensinamentos e doutrina.
Na gira mediúnica devem incorporar somente os médiuns que já tiverem mais experiência e estejam, como dizemos comumente, mais bem afirmados com suas entidades. Desenvolvimento mediúnico deve ser uma reunião a parte e fechada ao público. Após todos os médiuns incorporarem, os cambonos (pessoas que dão assistência as entidades espirituais e ajudam na organização durante a reunião) devem encaminhar o público para o atendimento.
O restante do corpo de adeptos, que não estiverem incorporados, devem sustentar a gira dos que estão em trabalhos mediúnicos através dos cânticos, de bons pensamentos e intenções. É necessário, que se mantenha o bom nível vibratório, para que os trabalhos espirituais aconteçam em segurança e bem equilibrados. Todo o público deve ser atendido, sem exceção.
Uma reunião umbandista é algo bonito de se ver, os cânticos, os tambores e outros instrumentos formando um conjunto harmonioso de sons, a batida das palmas, os fardamentos, as guias coloridas, a decoração do ambiente, as imagens e símbolos do altar e mesmo a forma como se processa os ritos e liturgias enche os olhos e ouvidos de quem vem participar. Visual e som somam-se a um sem número de detalhes para permitir a harmonização de todos os presentes, mas tudo isso não é um espetáculo, nem uma encenação para agradar o público.
Muitas casas umbandistas se ressentem pela existência de muito pouco ou quase nenhum público. Geralmente são sempre as mesmas pessoas que se repetem em todas reuniões. Quando tem a casa lotada sempre é por ocasião de festas, comemorações e louvações especiais. O terreiro já tem lá seus anos de existência, é um local bem decorado, limpo, asseado, de ambiente agradável e bastante arejado e iluminado. Os adeptos presentes em grande número, com um fardamento impecável, guias coloridas no pescoço e todos os adereços e material de trabalho de suas entidades. A reunião tem todo um processo organizado, bem estruturado, desde a abertura até o encerramento. A hierarquia da casa é plenamente identificada, pais e mães pequenas, cambones, tambozeiros etc., no entanto, cadê o público? Ou mediante as essas condições por que ele não é em grande número?
Diversos fatores contribuem para que tais fatos ocorram dentro de um terreiro:
a) Nas giras mediúnicas os médiuns trabalham para si mesmos;
b) Os médiuns incorporados se amontoam em frente ao tambor, em uma disputa para quem passa [cantar a curimba (ponto-cantado)] primeiro com a entidade;
c) Muitas vezes, existem guerras particulares, em que médiuns incorporados tentam demandar uns aos outros;
d) Ausência do Pai/Mãe-de-Santo na reunião, e quando presentes sem tomar as rédeas dos trabalhos na mão, nem uma iniciativa, nem participação a não ser ficar sentado olhando tudo acontecer como o público que ali se faz presente;
e) Sim, o público, porque se eles não tiverem iniciativa própria para falar com alguma entidade, terminam a reunião como iniciaram, apenas asistindo e nada mais;
f) Entidades tolhidas (impedidas) de fazerem quaisquer trabalhos espirituais, que não sejam apenas, falar com o consulente e no máximo aplicar-lhe um passe. Já que todos os trabalhos devem ser direcionados para o dirigente através de se provocar uma consulta particular;
g) Todos os médiuns trabalham, independente de sua condição de já estarem preparados o suficiente para dar consultas;
h) Giras mediúnicas confusas, barulhentas, com bebida alcoólicas em excesso, tambor sem ritmo ou acelerado demais, adeptos tendo que gritar mais alto para poder cantar as curimbas, entra-e-sai de filhos-de-santo, conversas o tempo todo entre os que estão na corrente segurando a banda etc.
Eis, meus amigos o que ocorre quando o objetivo da Umbanda se perde, num jogo de interesses e mau condução, quando o dirigente perde o gosto pelas reuniões de sua casa em troca de questões extra-religiosas. O terreiro fica sem dono ou com várias pessoas querendo ser dono dele.
Ah! O público, sim, afinal é ele a nossa principal preocupação e da Umbanda, se os adeptos tem outras formas válidas de conseguirem a sua harmonização, o seu religare e conhecimentos, ao público só resta este contato momentâneo que as reuniões proporcionam.
Em situações como eu relatei, ao público, geralmente leigo e incapaz de identificar esses problemas, se perguntado porque ele frequenta este terreiro a resposta será: "É porque eu acho bonito!".
Amigo leitor, tenha certeza, a Umbanda não é um show!

Comentários

Anônimo disse…
Caro amigo Caio.
Realmente a umbanda não é um show, mas até pode ser um "show" de boas vibrações da maneira que você mesmo descreveu acima, com a devida atenção ao visitante e respeito dos médiuns incorporados com o dono(a) da casa espiritual.
As vezes alguns destes se apegam tanto ao material e aparência que falham até mesmo nos fundamentos básicos da religião, e assim voltam-se seus trabalhos somente da si próprio.
Infelizmente nos deparamos muito com tais problemas.

Um abaraço.
Anônimo disse…
Querido Caio,
Achei o texto extremamente esclarecedor e didático para leigos no assunto (Eu!!). Parabéns pela dedicação e pela criação de um espaço tão democrático e, porque não dizer espiritualizado de aprendizado. Abração!!!
Quem procura ajuda material (financeira, amorosa ou do corpo fisico) duvida da justiça divina, pois Deus é a causa primaria de todas as coisas
Anônimo disse…
Gostei, pois tenho muita curiosidade sobre a Umbanda.

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